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segunda-feira, 4 de julho de 2016

Pórtico. Morro Reuter.RS



A história oficial de Morro Reuter como município é recente, pois foi emancipado pela lei estadual nº 9.583, de 20 de março de 1992. Desde 1959, com a emancipação de Dois Irmãos, durante 34 anos foi o2º Distrito do novo município. Entre 1952 e 1959, foi 6º Distrito de São Leopoldo, período em que Morro Reuter viveu a condição administrativa de subprefeitura. Antes disso, era uma localidade que pertencia a Dois Irmãos, 4º Distrito de São Leopoldo. Em 24 de março de 1956, a lei estadual nº 121 elevou Morro Reuter à categoria de vila.

Mas a origem do povoamento está no século XIX, se confunde com a presença dos europeus que foram ocupando a região além do Vale do Rio dos Sinos. Os primeiros imigrantes à Real Feitoria do Linho Cânhamo, depois São Leopoldo, no dia histórico de 25 de Julho de 1824. Aos poucos, os pioneiros foram desbravando matas, subindo a serra, traçando caminhos, abrindo picadas, fundando linhas, povoados e vilas.

Segundo Justino Antonio Vier, primeiro prefeito de Dois Irmãos, os colonizadores se instalaram em Morro Reuter (Reutersberg em alemão) a partir de 1829. É desse ano o registro da construção da casa do primeiro morador, Mathias Mombach. Autor do livro História de Dois Irmãos – Passado e Presente (1999) Justino Vier cita como um dos marcos no desenvolvimento do incipiente povoado o ano de 1872. Em torno dessa data, os evangélicos de confissão luterana ergueram a primeira igreja e começaram sua igreja-escola. Ainda em 1872, o professor João Wagner nascido em 1826 na região de Trier, na localidade de Weiskirchen – Alemanha abriu a primeira escola particular.

Antes da chegada dos brancos, a região era habita por índios, que viviam da caça, colhendo nas matas frutas e raízes para complementar a alimentação. Na Serra do Nordeste, afora pequenos grupos de guaranis desgarrados, remanescentes das Missões Jesuíticas destruídas, a maior parte era de caingangues, chamados de bugres pelos colonos. Com o passar das décadas, os habitantes naturais foram desaparecendo, tanto nos enfrentamentos com os colonizadores quanto dizimados por doenças e pela degradação de que os indígenas foram vítimas em todo o Brasil. Até as primeiras décadas do século XX, ao preparar a terra para as lavouras os agricultores costumavam desenterrar utensílios de barro moldado pelos bugres, que deixaram como legado as cavernas que cavaram nos morros para morar. Depois de abandonadas, essas galerias primitivas foram invadidas por morcegos. As entradas tiveram que ser implodidas e fechadas, o que impossibilita o acesso a elas.

Os imigrantes que vieram povoar Morro Reuter falavam o dialeto da região do Hunsrück (“lombo de cachorro” em alemão, numa referência às leves ondulações das colinas e coxilhas locais), no oeste da antiga Prússia. Fugiam da grave crise econômica provocada na Europa pelos cerca de 20 anos de guerra napoleônicas. Secas periódicas e o excesso de população também levaram o governo prussiano a estimular a saída do país. Após atravessarem o oceano em percursos cheios de imprevistos, os emigrados chegaram à Província do Rio Grande do Sul, o continente de São Pedro, seduzidos por promessas cuja maioria não foi cumprida pelo Império do Brasil: cidadania brasileira, despesas de manutenção por dois anos, terras gratuitas, gado (bois, cavalos, mulas e porcos) conforme o número de pessoas de cada família, mudas e sementes, liberdade de culto, isenção de impostos por 10 anos. Foram obrigados a reiniciar a vida na nova pátria enfrentando todas as adversidades, as dificuldades de adaptação ao ambiente hostil, com animais selvagens, doenças e a resistência dos índios, que se recusavam a conviver pacificamente com os desbravadores brancos.

São escassos os registros escritos sobre as décadas de pioneirismo na região de Morro Reuter. As informações esparsas vêm de depoimentos de descendentes dos primeiros moradores. Por isso, é frágil a explicação para origem do nome da localidade que estava nascendo. Seria para homenagear a família Reuter, uma das pioneiras, que nas primeiras décadas de colonização manteve uma estalagem, parada indispensável para os tropeiros e suas mulas carregadas de mercadorias. Esse lugar de passagem tornou-se referência como local de descanso, no caminho ainda precário, em que havia os morros e os Reuter. Não se tem maior precisão do que essa.

Maltratados pelo governo imperial, os imigrantes estavam condenados ao isolamento. O caráter germânico de ajuda mútua, a religiosidade e o idioma foram os principais elementos de união, resistência e sobrevivência. Como Justino Vier descreve em seu livro, qualquer contato com o mundo exterior limitava-se a cartas ou pacotes carregados em lombo de burro: “Assim os imigrantes ficavam longe dos habitantes mais antigos da Província, e politicamente separados de um governo sem ação, incapaz de garantir escolas, comunicações e outras necessidades básicas da população. Sabe-se que os colonos, sem apoio e ajuda das autoridades locais, mas com muito ânimo, seguiram as receitas e conhecimentos aprendidos em sua terra natal. O isolamento destas novas povoações almas preservou seu idioma e desenvolveu meios de ensiná-lo às novas gerações nascidas neste Novo Mundo”.

O primeiro momento histórico testemunhado pelos imigrantes alemães no Continente de São Pedro foi a Guerra dos Farrapos, entre 1835 e 1845. Se Porto Alegre tinha na época cerca de 15 mil habitantes, em Morro Reuter a população era formada por no máximo uma dúzia de famílias, isoladas em algumas das localidades do que viria a ser o atual município. Mas há registros da participação no episódio farroupilha de um representante da incipiente colônia que se formava: Mathias Mombach, considerado o primeiro morador de Walachai.

Na bibliografia sobre a Guerra dos Farrapos, nenhum autor se refere a grandes conflitos armados ou enfrentamento com baixas significativas na região do Vale do Sinos. As principais batalhas ocorreram em outras áreas do Continente de São Pedro. Mas, em 1º de dezembro de 1845, de volta a São Leopoldo como diretor-geral da colônia, João Daniel Hillebrand divulgou uma relação de pensões a serem pagas para viúvas de 19 imigrantes alemães mortos ao longo da década em que houve guerra, todos os casos isolados, entre 1836 e 1842. Além da perda de vidas e de abalos na economia regional, o maior prejuízo para a colônia alemã talvez tenha sido a interrupção da vinda de novas levas de colonizadores. Só em 1846 foi reiniciado o processo de imigração, com continentes cada vez maiores de pessoas trazidas da Alemanha. É grande a fama de Mathias Mombach, citado por autores como Theodor Amstad, Hilda Flores, Carlos de Souza Moraes e Germano Oscar Moehlecke. Conforme o professor Arthur Blasio Rambo, da Pós-Graduação em História da Unisinos, Mathias foi soldado da guarda pessoal de Napoleão Bonaparte antes de vir para o Brasil. Resolveu viver como uma espécie de eremita em Walachai, a partir de 1829. Nessa época, estava com cerca de 60 anos, pois todos os textos referem-se a ele como um guerreiro veterano, que depois de uma carreira militar na Europa se tornou alferes da Guarda Nacional a serviço do Império brasileiro. Sob o comando de Hillebrand, quando tinha quase 70 anos, Mathias chegou a ser chamado de caçador de Farrapos.

No livro O Colono Alemão (1891), Carlos de Souza reproduz o texto original em espanhol de um relato feito pelo político argentino Juan María Gutierrez, que em 1844 conheceu a casa de Mathias Mombach, na mata virgem do Walachai: “As peças principais são de madeira de cedro, dispostas para se defender dos índios selvagens. Ao entrar naquelas peças senti uma fragrância que logo soube a que atribuir: vinha da madeira de cedro, único material empregado na construção daquela espécie de arca consagrada ao abrigo de um ancião (Mombach), que foi soldado do imperador Napoleão e hoje é alferes do imperador Dom Pedro II. Um arroio claríssimo corre sobre o chão pedregoso a meia quadra do prédio. Quem é íntimo da casa pode encontrar todo o necessário nos domínios do alferes Mombach: espingardas, cachorros, a companhia de um dos seus filhos. E, a poucos passos, um tigre negro, um javali, um veado, a escolher”.

Para os inimigos dos farrapos, como Mathias e Hillebrand, os rebeldes que ousaram proclamar a República Rio-Grandense era a ameaça de invasões, saques, confisco de bens assassinatos. Por isso, na subida da serra, qualquer bando de bandidos que aparecesse logo era associado aos farroupilhas. Esse foi o caso do famigerado Menino Diabo, que mais uma vez colocou Mathias Mombach como personagem da história de Morro Reuter.

Entre 1836 e 1837, no segundo ano de conflitos e escaramuças entre farrapos e imperiais, surgiram na região às histórias das atrocidades do bandoleiro Antônio Joaquim da Silva, de origem portuguesa. Apelidado de Menino Diabo por causa da baixa estatura, liderou roubos e assassinatos em Estância Velha, Ivoti, Dois Irmãos, Morro Reuter, Picada Café e Lomba Grande. No livro Cem Anos de Germanidade no Rio Grande no Rio Grande do Sul – 1824-1924, o Padre jesuíta Theodor Amstad descreve bárbaros crimes cometidos pelos “sanguinários bandidos farrapos”. Nos depoimentos colhidos para o episódio O Menino Diabo da série Histórias Extraordinárias, veiculado pela RBS TV em setembro de 2003, o diretor e roteirista João Guilherme Barone obteve informações de que Antônio Joaquim chegou a liderar um bando com cerca de 200 bandidos e que teria deixado um tesouro nunca encontrado.

Farrapo ou assaltante, o certo é que o Menino Diabo foi ferido e preso por Mathias Mombach e alguns colonos, que toparam com o bando na estrada de Dois Irmãos. A idéia de Mathias era entregar o bandido para julgamento. Mas parentes e vizinhos de vítimas lincharam o Menino Diabo. O bandoleiro teria sido obrigado a cavar a própria cova antes de ser morto. Depois da guerra, Mathias Mombach, voltou para o Walachai, já como uma figura lendária, tem uma trajetória melhor documentada que a do pioneiro Reuter, de quem quase nada se sabe, embora seja dele o nome do município. Em 1888 foi inaugurado o salão com casa comercial de Albino Sperb. Na mesma época era construído o Salão Wolf (Hoje conhecido como Casarão), que foi naquela época residência da Família Bohn, e hoje é pertencente ao Francês Eric Chartiot.

Entre os morroreutenses, os efeitos da guerra perdida pelos maragatos viraram, de novo, um caso de bandidagem. Depois da paz assinada em Ponche Verde no dia 25 de agosto de 1895, um personagem semelhante ao Menino Diabo dos tempos farroupilhas apareceu para apavorar as localidades de Morro Reuter. Foi o bandoleiro conhecido como Negro Malaquias, que por alguns meses liderou alguns “maragatos”, ladrões e assassinos sem qualquer ligação com o partido federalista. No artigo A Revolução Federalista e a Imprensa, incluído no livro A Revolução Federalista e os Teuto-Brasileiros (1995), o professor Arthur Blasio Rambo revela que Malaquias teve o mesmo fim do Menino Diabo: “Os colonos do Walachai terminaram eliminando, numa tocaia, o famigerado Negro Malaquias líder do bando que infestou por meses a região.”

Entre 1873 e 1874, quando já havia as capelas católicas e luteranas e as primeiras escolas em Morro Reuter, ocorreu o apogeu e o fim dos Muckers (Santarrões), seita que Jacobina Maurer criou mo Morro do Ferrabrás, em Sapiranga. Os Muckers foram massacrados no dia 19 de julho de 1874 pelos soldados do coronel Genuíno Olímpio de Sampaio, vindos de Porto Alegre para acabar coma rebelião dos crentes, que, perseguidos pela polícia e pelos colonos cristãos, reagiram com violência.

Como no período farroupilha em relação a bandos que aproveitavam a confusão da guerra para matar e roubar, os seguidores da visionária Jacobina Maurer eram descritos nos relatos dos colonos com bandidos. Nos púlpitos, os padres católicos e os pastores luteranos condenavam os seguidores fanáticos da santarrona diabólica. Ainda hoje, correm histórias de Mucker invasores, que vinham às localidades morroreutenses para saquear propriedades. Há inclusive uma lenda: nas mesmas cavernas cavadas pelos bugres nas rochas de Morro Reuter existiria um tesouro, fruto das pilhagens dos capangas enviados por Jacobina.

No Walachai, alguns colonos se arriscaram a caminhar até Sapiranga, por causa da fama de curandeira da líder da seita. Voltaram decepcionados. Contaram que, na hora da consulta, os homens eram beijados por Jacobina. Os moradores do Walachai se apavoraram mulher casada beijar assim era pecado mortal. Ninguém mais se atreveu a procurar no Ferrabrás.

Uma das características das colônias alemãs no Rio Grande do Sul sempre foi o trabalho conjunto, com a participação de todos os moradores, por exemplo, na construção de capelas, escolas e prédios comunitários. Não por acaso, em Linha Imperial, distrito de Nova Petrópolis, o cooperativismo de crédito foi implantado no Brasil. A iniciativa foi do onipresente padre Theodor Amstad, que trouxe da Alemanha o sistema Raiffeisen de cooperativas, Sempre circulando por todas as localidades, o jesuíta que ficou sendo chamado de “Pai dos colonos” fundou cooperativas, sindicatos, hospitais, escolas e jornais. Desde que veio para o Brasil, em 1885, até morrer, em 1938, espalhou a filosofia da cooperação: “Se uma grande pedra se atravessa no caminho e 20 pessoas querem passar, não o conseguirão se um por um a procuram remover individualmente. Mas se as 20 pessoas se unem e fazem força ao mesmo tempo, sob a orientação de um deles, conseguirão solidariamente afastar a pedra e abrir o caminho de todos”.

No dia 28 de dezembro de 1902, padre Theodor criou a Caixa de Economia e Empréstimos Amstad, primeira cooperativa de crédito da América Latina. Segundo Ruben Neis, em separata de Perspectiva Econômica publicada pela Unisinos em abril de 1976, “uma após uma, surgiram às caixas nos diversos centros de colonização alemã, chegando ao número aproximado de 50, coordenadas pela Central das Caixas Rurais, com sede em Porto Alegre. Nelas, o colono, cheio de confiança nas direções, depositava a juros as sobras de suas economias, que eram reaplicadas na mesma região, emprestadas que iam sendo a outros colonos, necessitados de um empréstimo temporário. É a colaboração mútua que se fazia através de entidade criada em favor do agricultor”.

No dia 13 de junho de 1907, o próprio padre Theodor trouxe o cooperativismo para Morro Reuter, ao fundar a Caixa Rural União Popular de São José do Herval. O sistema Raiffeisen passou a orientar e garantir o desenvolvimento econômico da região. Por 40 anos, de 1916 a 1955, o professor João Klauck foi o diretor da Caixa Rural, condição que lhe conferia liderança política. Em 1957, quando comemorou 50 anos de atividades, a Caixa de São José do Herval tinha 1.110 associados que se beneficiam com o s créditos para investimentos nas propriedades rurais.

A partir de 1964, com a reforma bancária decretada pelo governo, as Caixas Rurais foram sendo extintas. Segundo Werno Blásio Neumann, em 1991 nasceu à nova era do cooperativismo de crédito rural brasileiro, com a criação do Sistema de Crédito Cooperativo, Sicredi. Em 2002, eram 760 agências do Sicredi espalhadas por cinco Estados, beneficiando 565.503 associados de 130 cooperativas. Instalado em Morro Reuter desde 1991, o Sicredi mantém atualmente sua agência na Travessa  21 de Abril, no centro.

Depois das décadas de luta pela sobrevivência, em que os pioneiros enfrentaram feras e bugres, um dos piores períodos para os moradores das localidades de Morro Reuter foi a Era Vargas, junto com os efeitos da II Guerra Mundial nas colônias alemãs. Antes de Hitler iniciar na Europa as invasões nazistas, Getúlio Vargas lançou a Campanha de Nacionalização do Ensino, que atingiu principalmente as escolas rurais em que o único idioma era o herdado dos imigrantes contra os descendentes de alemães quando o Brasil entrou na guerra para combater a Alemanha.

Os professores paroquiais, tanto os católicos quanto os luteranos, trabalharam nas colônias alemães até metade da década de 1940. Getúlio Vargas decretou o fim das pequenas escolas rurais mantidas pelas comunidades religiosas com a Nacionalização do Ensino e uma sucessão de decretos. A partir de maio de 1938, ordenou que todo o material usado na escola elementar fosse em Português, todos os professores e diretores da escola fossem brasileiros natos, que nenhum livro de texto, revista ou jornal circulasse em língua estrangeira nos distritos rurais e que o currículo escolar deveria ter instrução adequada em História e Geografia do Brasil. E proibiu o ensino de língua estrangeira a menores de 14 anos.

Em 25 de agosto de 1939, o Decreto nº 1006 instruiu os secretários estaduais de Educação a construírem e manterem escolas em áreas de colonização estrangeira, estimular o patriotismo, fiscalizarem o ensino de línguas e proibirem que se fizesse o uso de idioma estrangeiro em assembléias e reuniões públicas. Em 3 de setembro de 1941, o Decreto nº 3.580 proibiu a importação e a impressão em território nacional de livros de língua estrangeira para o ensino elementar. Conforme Lúcio Kreutz, professor da Pós-Graduação em Educação da Unisinos, autor do livro O Professor Paroquial – Magistério e Imigração Alemã (1991), a Campanha de Nacionalização do Ensino foi iniciada com medidas preventivas: “A partir de 1938, passou para uma ação mais ostensiva e repressiva, especialmente nos núcleos em que houvesse alguma resistência. A nacionalização também se entendeu às sociedades culturais. Houve casos em que a animosidade tomou vulto, a resistência de algumas comunidades rurais se radicalizou do mesmo modo como a ação policial invadindo lares, arrancando inscrições já existentes havia 50 ou mais anos em tumultos”.

As determinações do Ministério da Educação trouxeram às localidades de Morro Reuter professores nomeados para dar aulas em português, com as novas cartilhas. Padres e pastores reagiram se exaltavam nos sermões, em defesa das escolas paroquiais. Um ofício enviado em 2 de março de 1941 pelo vigário de Dois Irmãos ao prefeito de São Leopoldo revela a extensão dos conflitos gerados pela Campanha de Nacionalização: “Não posso impedir que fundem a tal da escola na Picada São Paulo, ao meu ver desnecessária. Se, porém, a querem fundar, deixem de fazer funcioná-la até ter um prédio, ou aluguem uma casa, até ter própria, como foi feito no Walachai e em Dois Irmãos. Ao meu ver, se prestaria a sala de Henrique Arnecke. E seria um grande favor para toda a população católica de Picada São Paulo não colocar o prédio escolar perto da Igreja, como, aliás, quanto eu sei, estão pretendendo”.

No final, o padre reconhece que o processo de implantação de escolas públicas leigas, será irreversível: “Espero também no futuro poder viver em boa harmonia com as autoridades, mas respeitem meus direitos de sacerdote. Enquanto me restar sopro de vida, serei defensor intrépido das aulas paroquiais, verdadeiros seminários de vocações sacerdotais e religiosas e de homens lídimos e patriotas a toda prova”. Depois da II Guerra, com a queda de Vargas e a redemocratização do Brasil, aos poucos a rede escolar pública substituiu as escolas paroquiais em Morro Reuter.

Ainda durante a guerra, os colonos descendentes de alemães precisaram demonstrar que eram lídimos cidadãos brasileiros e patriotas a toda prova. Em 1942, a comoção nacional contra a Alemanha chegou ao auge. O ataque alemão a navios brasileiros em 17 de agosto levou o governo a entrar em conflito mundial. Nas pequenas comunidades rurais, isso significou um período de medo, perseguições e ameaças. Entre as informações, que chegavam desencontradas ou distorcidas à colônia, em Porto Alegre estavam depredando as lojas e fábricas de descendentes de alemães e atacando nas ruas quem era alemão. Ninguém mais podia falar alemão em público nem ter em casa qualquer coisa vinda da Alemanha, principalmente aparelhos de rádio. E os colonos passaram a esconder até os hinários sacros e edições alemãs da Bíblia no milharal ou entre as batatas nos galpões. Os chefes e gerentes de repartições do governo, que eram brasileiros, diziam que iam levar presos os que falassem em alemão. Passavam silenciosos, para ver se a gente estava falando o dialeto dentro de casa.

Até quase o final da década de 1930, o centro de Morro Reuter era uma área única, formada pelo casario em poucas ruas, pelos potreiros e pelas plantações de verduras e frutas. Quando começou a ser implantada, a estrada federal cortou os potreiros ao meio, como aconteceu com a propriedade de Albino Sperb, que tinha gabo para abate. O trabalho de chão batido, a partir de 1937, desenhou o destino do lugar, que nessa época passou a receber os primeiros postes trazendo a energia elétrica. Conforme a topografia da região, a estrada atravessou áreas de rochas de basalto. Aneldo Bauer, um dos moradores contratados pelo DNER para o trabalho de abertura da rodovia para quebrar os blocos de pedra, removido das margens em carroças puxadas por bois.

Em 1942, Affonso Sebastiany era aluno do professor Francisco Weiler em Picada São Paulo. Ele lembra que nesse ano o presidente Getúlio Vargas e o coronel Theodomiro Porto da Fonseca, delegado de São Leopoldo, fizeram em Morro Reuter a inauguração simbólica da ligação ainda sem asfalto entre Porto Alegre e Caxias do Sul. Foi uma solenidade em que todos os alunos do Professor Weiler cantaram hinos átrios em homenagem a Getúlio.

Mesmo sem asfalto, que só veio a partir de 1956, a estrada federal permitia a procissão diária de carros e ônibus. Todos os que saíam do Rio Grande do Sul para chegar ao centro do país passavam por Morro Reuter. Isso fez surgir na margem direita a Estação Rodoviária, com amplo restaurante, primeiro administrada pelos Sperb, depois pela família Ott. Logo em seguida de um lado e de outro da estrada, apareceram os estabelecimentos que definiram o perfil adquirido pelo lugar nos anos 50 e 60.

Para estabelecer e se alimentar, motoristas e passageiros consolidaram a parada obrigatória. Com isso se beneficiaram os pequenos agricultores das redondezas, que passaram a plantar frutas e flores, vendidas pelos filhos na frente da Rodoviária, entre as dezenas de ônibus e carros estacionados. Todos os dias vinham veículos a caminho de Caxias, Gramado, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio. Quando era época de Festa da Uva ou Festa das Hortênsias, a parada em Morro Reuter fervilhava de gente, indo para a Serra ou voltando para a região de Porto Alegre. Por cerca de duas décadas, entre 1950 e 1970, a venda de morangos na BR-116 completou a renda familiar e fortaleceu o caráter da gurizada que oferecia frutas para os turistas de excursões, passageiros de linhas regulares de ônibus e qualquer pessoa que passasse pela estrada federal, onde o ponto de convergência era o prédio da Estação Rodoviária. Os morangos vinham recém-colhidos dos canteiros cultivados pelas famílias. Cada menino, ou menina recebia uma quota de pratinhos para vender. Precisava-se ter poder de comunicação, senso de humor e presença de espírito para conquistar compradores.

Celestino Graeff sempre foi o mais convincente, logo vendia todo o estoque. Disputavam clientes, entre outros guris, os futuros prefeitos José Paulo Meyrer e Wilson Flademir Reinheimer, além dos quatro irmãos Heylmann – que se esmeravam e não gostavam de levar prato cheio nem desaforo para casa. Entre as gurias, estavam Elaine Heylmann, futura vereadora e depois vice-prefeita, e Nívia Closs, futura secretária municipal da Saúde. Pais e mães construíram uma pequena pirâmide de morangos em pratos que eram esvaziados na frente do Freguês. Ainda não existia o filme plástico para embalar os frutos, então era preciso equilibrar um prato em cada mão, sem derrubar nenhum morango. Esgotada a quota, tinham que voltar até a horta para trazer novas pirâmides vermelhinhas.

Quando alguém gritava “chegou outra excursão!”, todos corriam para oferecer seus produtos. Nos meses de inverno, além dos morangos, a gurizada vendia pencas de bergamotas, trançadas pelos pais com cuidado extremo. Meninas como Vera Deimling vinham da Linha Görgen para vender flores, margaridas e copos de leite, principalmente. Às vezes, além do sucesso nos negócios, pintava alguma gorjeta. Era, então, a hora de comemorar com um refrigerante no restaurante da Rodoviária.

Morro Reuter é o berço do café colonial, na época em que ainda era distrito de São Leopoldo e depois de Dois Irmãos, Gramado e Canela deram fama nacional ao café com dezenas de iguarias cada vez mais sofisticadas. Dois Irmãos ostenta o título de Capital do Café Colonial. Mas foi em Morro Reuter, à beira da estrada federal, que nasceu o simplesmente chamado café com mistura, origem do que veio a se tornar atração turística. Ainda nos anos 50, o restaurante do Turista, e o Galeto Copacabana começaram a servir um café reforçado por muitos produtos da colônia alemã.

1935, a família Schäfer construiu a parte inicial do prédio do atual restaurante Klaus Haus, no Quilômetro 216 da BR-116, nº 1445. Junto ao primeiro restaurante, a Distribuidora Shell instalou a primeira bomba manual de gasolina da região, pois de Novo Hamburgo a Nova Petrópolis não havia outro ponto de abastecimento. Por volta de 1950, a família Feltes adquiriu o posto e o restaurante, ampliou a construção, colocou uma bomba de gasolina mecânica e reinaugurou o estabelecimento com o nome de Galeto Copacabana.

Passageiros do ônibus e carros que trafegavam pela faixa federal, como era chamada a estrada de chão batido, não resistiam ao apelo do galeto servido com massa caseira, polenta e saladas. Foi quando os Feltes começaram a oferecer, além de almoços, um café com acompanhamentos caseiros a que batizaram de café com mistura. Junto com as xícaras e bules, vinham para a mesa de pães de trigo e milho, roscas de polvilho, cucas, queijo, lingüiça, morcilha, queijo de porco, nata, requeijão, mel, salsicha bock, rocambole, rabanete e pepino, tudo produção própria. Estava nascendo Morro Reuter o logo famoso café colonial, também servido nas mesas da Rodoviária e do Turista.

José Antônio Pinheiro Machado, o Anonymus Gourmet dos programas de rádio e TV e dos livros sobre gastronomia, na crônica “O carinho de Morro Reuter” (Zero Hora, 25/10/02), torna pública a certidão de nascimento do café colonial: “Morro Reuter é uma das minhas primeiras, digamos assim, memórias gastronômicas, anos 50 e 60, quando íamos a Caxias, meu pai pilotando o Aero Willys Serra acima. Parávamos para o café colonial, e ali descobri pela mão de meu pai e encanto de um sanduíche feito de fatias de cuca açucarada com boa manteiga colonial e salame italiano. Depois, Morro Reuter se tornou uma referência naqueles sábados nublados que pedem uma mesa farta, de sotaque alemão e alguma cerveja, antes da sesta inevitável.

Os Feltes mantiveram o Galeto Copacabana até 1982. Depois de um período de abandono, Elton e Carmen Wedig adquiriram o prédio, que passou por reformas e foi reaberto em 16 de dezembro de 1988 com o nome de Restaurante Klaus Haus. A área da Rodoviária hoje é ocupada pela Metalúrgica Reuter

No final da década de 1960, ficou totalmente asfaltada a BR-101, entre Osório e Torres. A maior parte das empresas de ônibus interestaduais optou pela nova ligação junto ao litoral, principalmente quando a freeway foi inaugurada, em 1973. E o esvaziamento do fluxo de viajantes se ampliou quando ficou pronto o asfalto que também leva à Serra, desviando por Portão e São Vedelino. A nova realidade econômica se tornou um desafio um desafio para os moradores de Morro Reuter.

A década de 1980 foi a da retomada de fôlego para os morroreutenses. Se a perda do movimento na estrada federal significou desemprego e falta de oportunidades, a chegada de indústrias e a ampliação das existentes passaram a ser um alento. Ao mesmo tempo, os aviários e o cultivo da acácia, milho, verduras e flores, principalmente, começaram a apresentar resultados promissores. Em 1991, com 800 propriedades rurais em atividades, Morro Reuter, ainda em 2º Distrito de Dois Irmãos, produzia cerca de 5 mil toneladas de batata por ano, 3.200 toneladas de frango, 1.600 toneladas de milho, 1 milhão de litros anuais de leite . Estavam preenchidos os quesitos básicos para o município pleitear a emancipação política. Como lembra o professor Affonso Sebastiany, “a organização em torno dos centros comunitários, evangélico e católico, levou as lideranças a criarem os próprios meios de progresso que mais e mais alimentaram os planos emancipacionistas”.

Fizeram parte da Comissão Emancipadora Leopoldo Kochhann, como presidente, José Paulo Meyrer, Roque Querino Klauch, Affonso Sebastiany, Vergílio Perius, Affonso Inácio Rohr, Guido Wiest, Roque Dieter, Wilson Reinheimer e Benno Mallmann. Nos meses em que a comissão trabalhou reunido argumentos para a inclusão de Morro Reuter no plebiscito previsto pelo governo do Estado para outubro de 1991 nos locais candidatos a município, toda a comunidade se mobilizou. Nessa etapa, a Comissão contou com a simpatia do próprio prefeito de Dois Irmãos, Arnildo Malmann, e com uma campanha desenvolvida pelo jornal Dois Irmãos. No centro, principalmente, a maior parte dos moradores defendia a emancipação. Em outras localidades, como São José do Herval e Walachai, os eleitores preferiam permanecer como distrito de Dois Irmãos, satisfeitos que estavam com a administração de Mallmann.

No dia 10 de novembro de 1991, foi realizado o plebiscito. Pelos resultados da apuração, de um total de 2.847 eleitores aptos, 2.283 votaram. O Sim obteve 1.228 votos, o Não 1.025. Foram 30 votos em branco e nulo. Democraticamente, estava vitorioso o sonho de tornar uma dos novos municípios do Rio Grande do Sul. Em 20de março de 1992, o governador Alceu Collares assinou a lei estadual nº 9.583, oficializando a emancipação. No dia 3 de outubro, os morroreutenses participaram da primeira votação para escolha de prefeito, vice-prefeito e vereadores. Agora, os próprios moradores decidiam sobre seu futuro.

Emancipado, o município de Morro Reuter ficou formado pelo núcleo central, Belvedere e Linha Görgen e pelas localidades rurais do Walachai, São José do Herval, Picada São Paulo, Linha Cristo Rei, Fazenda Padre Eterno, Birckental, Frankental, Muckental, e Batatental. “Tal” é designado de vale, lugar em que as lavouras fornecem um dos esteios da economia municipal. Nos últimos anos, a exploração da acácia-negra, da qual é extraído o tanino usado na indústria coureira, vem se expandindo. Da mesma forma, vem crescendo o número de estabelecimentos comerciais e industriais. Em 2003, Morro Reuter encara o futuro com a garantia de empregos e benefícios proporcionada pela produção constante de fábricas e ateliês de calçados, frigoríficos e aviários de grande porte. Já faz parte da história os anos em que a maioria dos morroreutenses só podia apostar no movimento da BR-116.

Na manhã de 20 de março de 2003, um lindo dia ensolarado, Morro Reuter se tornou símbolo da paz, embora o mundo tivesse assistido estarrecido, ao primeiro bombardeio sobre Bagdá noite anterior. Cerca de 700 escolares com balões nas mãos se reuniram na Praça Municipal para comemorar os 11 anos de emancipação. Depois do momento cívico, com hasteamento da bandeira e a execução do hino nacional, os estudantes estouram os balões, em um show simbólico: ao invés de mísseis mortíferos, bexigas de borracha. E alunos vestidos de anjinhos, representando cada uma das localidades de Morro Reuter, recitaram mensagens e soltaram balões brancos. Os globos cheios de gás se espalharam pelo céu, de um límpido azul, como apelos para a pacificação dos países em guerra. No final da cerimônia, todos os presentes, de mãos dadas com as crianças, abraçaram a Praça, coração do município. É assim, em total comunhão e harmonia, que os moradores do lugar esperam o futuro. Esse sentimento é traduzido pelas crianças e pelos jovens morroreutenses.



Fonte: Urbim, Carlos – Morro Reuter: de A a Z / Carlos Urbim. – Porto Alegre: RBS Publicações, 2003.

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